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quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

A entrevista de Jesus (Parte II) - A INFÂNCIA DE JESUS, AS TRAVESSURAS DO MENINO E A MORTE DE JOSÉ

DR. ERIVELTON LAGO - O ADVOGADO QUE ENTREVISTOU JESUS CRISTO NA NOITE QUE ANTECEDEU A SUA PRISÃO E SUA MORTE - (PARTE II)





Advogado Erivelton: Deixando um pouco o julgamento de lado, eu pergunto: como foi a sua infância?
JESUS: Minha infância foi muito boa, vivi uma infância sonhadora. Em Nazaré, a cada noite, eu voava por cima das colinas e dos campos. Quando todo mundo dormia, eu passava pela porta silenciosa, abria os braços, pegava um impulso e meu corpo se elevava.
Advogado Erivelton: Você voava?
JESUS: Sim, eu voava. Eu me lembro muito bem da resistência do ar sob meus cotovelos, um ar mais impacto, mais sólido e consistente que a água, um ar exalando cheiro de jasmins que me levava para onde eu queria sem um sopro de vento
Advogado Erivelton: Você usava apenas os braços?
JESUS: Não, às vezes, por preguiça, eu arrastava a minha esteira até a soleira e sobrevoava o campo cinzento, permanecendo estendido sobre ela. Os burros levantavam a cabeça, seus belos olhos negros de moça olhavam passar meu barco em meio às estrelas. Vivi e sonhei. Hoje estou aqui. Eis que esse sonho me reduziu: Esperar nesse jardim uma morte que eu temo.
Advogado Erivelton: Conte uma travessura do seu tempo de criança?
JESUS: Um dia saímos da escola eu, Mochéh, Ram e Késed, éramos inseparáveis. Na pedreira de Gzeth, improvisamos um pique bem alto...eu experimentava como nunca a vontade de ganhar
Advogado Erivelton: E aí?
JESUS: E aí é que eu comecei a escalar uma imensa ponta rochosa, os apoios se encadeavam, eu nem mesmo respirava mais, subia, subia e me encontrei sobre a plataforma, dezesseis côvados acima do chão. Embaixo, meus camaradas não eram mais que um barrete de cabelos com pequenas pernas em volta. Eles não me achavam ninguém sonhava em levantar a cabeça de tão alto que eu estava.
Advogado Erivelton: Côvados? Dezesseis côvados? Isso corresponde a quantos metros?
JESUS: Cerca de 10 metros e meio
Advogado Erivelton: Meu Deus! E aí o que aconteceu!?
JESUS: Eu estava tão inacessível que nem participava mais do jogo. Dei um grito eles olharam, me viram no alto e me aplaudiram: Bravo, Jesus! Bravo!
Advogado Erivelton: Eles aplaudiram você?
JESUS: Sim, eles nunca teriam me considerado capaz de subir tão alto
Advogado Erivelton: E depois, o que aconteceu? Você desceu e foi embora para casa com seus amigos?
JESUS: Não, foi aí que acho que pela primeira vez conheci o medo
Advogado Erivelton: Como assim?
JESUS: Késed gritou: agora desça daí vamos embora. Eu estava de cócora em cima da pedreira, me levantei para descer e ali o medo me dominou. Não via absolutamente como voltar...ajoelhado, apalpei o rochedo pelo qual tinha vindo: ele era liso. Eu suava frio. Como fazer? Como descer?
Advogado Erivelton: Então, você pulou? você voou?
JESUS: Sim, eu me lembrei, posso voar como faço toda noite
Advogado Erivelton: então?!
JESUS: Eu me aproximei da borda do imenso rochedo, os braços separados...O ar não estava denso, líquido sobre os meus braços, como na minha lembrança...eu não me sentia mais sendo levado, ao contrário, eram meus ombros, somente os meus ombros, que sustentavam penosamente o peso dos meus braços estendidos...eu estava fundido no bronze frio
Advogado Erivelton: Você não conseguiu voar nesse dia?
JESUS: Pois é, nos dias anteriores bastava que eu erguesse ligeiramente os meus calcanhares e logo voava, mas naquele dia na pedreira, meus calcanhares, rebeldes, permaneceram grudados no monte. Se eu os levantasse, tinha a sensação de que simplesmente cairia. Por que eu estava de repente tão pesado?
Advogado Erivelton: Você chegou a duvidar do poder que tinha?
JESUS: Sim, a dúvida abateu-se sobre mim, me pesando nos ombros. Naquele momento passei a me perguntar: Será que já voei algum dia? Será que eram sonhos? Tudo se embaralhou em minha cabeça de criança, o chão se aproximou
Advogado Erivelton: Você pulou, homem de Deus?
JESUS: Não pulei, contudo perdi a consciência e quando acordei estava nas costas de meu pai, José, que Mochéh tinha ido buscar em casa às pressas
Advogado Erivelton: Seu pai brigou com você por ter subido 16 côvados e depois não saber como descer? Acho que eu também já fiz isso um dia!
JESUS: Meu pai era assim: Qualquer outro teria me repreendido, meu pai me abraçava...desceu comigo do rochedo sabendo encontrar os apoios imperceptíveis. Ao chegar ao chão firme ele me disse o seguinte: Ao menos você aprendeu alguma coisa hoje
Advogado Erivelton: O que você respondeu para ele?
Jesus: Eu apenas sorri para ele. Não entendi de imediato o que havia aprendido
Advogado Erivelton: E hoje, aos 33 anos de idade, você já entendeu o que aprendeu naquele dia?
JESUS: Agora eu sei: Eu tinha acabado de deixar a infância. Eu desenredei os fios dos sonhos e da realidade, descobri que havia de um lado o sonho, em que eu planava melhor do que uma ave de rapina, e de outro lado o mundo verdadeiro em que vivo agora, duro como as rochas sobre as quais eu quase havia me esborrachado
Advogado Erivelton: O que mais você aprendeu?
JESUS: Eu tinha percebido também que podia morrer. Eu! Jesus! Normalmente, a morte não me preocupava. Eu via os cadáveres na cozinha e nos pátios das fazendas, mas e daí? Eram animais! De vez em quando alguém me anunciava que uma tia, um tio tinham morrido, mas e daí? Eles eram velhos! Coisa que eu não era e nem seria jamais. Nem bicho nem velho
Advogado Erivelton: Como você se sentia? Como se sentia a criança Jesus?
JESUS: Eu me sentia como alguém que havia partido para viver para sempre...eu era eterno, eu não sentia a morte em lugar nenhum em mim...Eu não tinha nada a ver com a morte. E, no entanto, ali, gato empoleirado sobre o rochedo, eu acabara de sentir seu sopro úmido na minha nuca
Advogado Erivelton: E depois da travessura, como foram os dias seguintes?
JESUS: Nos meses que se seguiram, abri os olhos que preferia manter fechados. Não, eu não tinha todos os poderes. Não, eu não sabia tudo. Não, talvez eu não fosse imortal. Em uma palavra: eu não era Deus
Advogado Eriveltin: Então você descobriu que não era Deus?
JESUS: Definitivamente. Como todas as crianças, eu havia inicialmente me confundido com Deus. Até os sete anos, havia ignorado a resistência do mundo. Eu me sentia rei, todo-poderoso, onisciente e imortal...Achar que é Deus é a tendência mais comum entre as crianças não-derrotadas
Advogado Erivelton: Então o que foi crescer para você?
JESUSCrescer foi desmentir. Crescer foi uma queda. Eu só aprendi a condição de adulto pelas feridas, pelas violências, pelas desilusões e pelos compromissos. O universo havia se desencantado. Pois o que é um homem? Simplesmente alguém-que-não-pode...que-não-pode saber tudo. Que-não-pode fazer tudo. Que –não-pode não morrer
Advogado Erivelton: O conhecimento aprisionou você?
JESUSNão sei, contudo estou certo de que o conhecimento das minhas limitações rachou o ovo da minha infância: A lucidez me fez crescer, quer dizer, diminuir. Aos sete anos deixei definitivamente de ser Deus.
Advogado Erivelton: Bem, essa é a noite da sua prisão, como você se sente?
JESUS: Como me sinto na noite da minha prisão? Eu me sinto confuso e cheio de dúvidas. Sei que o jardim está sossegado nesta noite, banal como uma noite de primavera. Os grilos cantam o amor. Os meus  discípulos dormem. Os temores que sinto não encontram eco no ar. Fico a me perguntar: Será que a corte ainda não saiu de Jerusalém? Será que Judas ficou com medo e se retratou? Vamos Judas me denuncie logo! Confirme que sou um impostor, que me julgo o messias, que desejo tirar-lhes o poder. Responsabilize-me. Confirme as suas piores suspeitas. Vá Judas, depressa. Para eles a história deve acabar. Para mim é hora dela começar
Advogado Erivelton: Como você chegou até aqui nesse momento crucial antes do seu julgamento por Roma e Pelo sinédrio?
JESUS: Sempre foram os outros que me expuseram o meu destino; eles sabiam ler o pergaminho que eu era e eu mesmo não decifrava
Advogado Erivelton: como assim?
JESUS: Sempre foram os outros que me diagnosticavam, como se determinar uma doença. Eram perguntas que me empurravam para um lado e para outro:–Jesus o que você quer ser mais tarde? -O que queres fazer mais tarde? -Você não quer ser Rabino?
Advogado Erivelton: E seu pai José fazia também tais perguntas?
JESUS: Sim, um dia estávamos na marcenaria trabalhando e ele me perguntou o que eu queria fazer mais tarde. Respondi: não sei...talvez um marceneiro como você. Ele então me perguntou: E se você se tornasse um Rabino? Olhei para meu pai sem compreender. Rabino? Eu não quero ser Rabino. Já temos o Rabino Isaac na aldeia. Depois pai, ninguém se torna Rabino. Rabino nasce feito. Eu sou apenas Jesus de Nazaré, ou seja, nada de grande coisa. Meu pai me disse em seguida: Reflita bem, Jesus!
Advogado Erivelton: Você freqüentou Escola Bíblica?
JESUS: Sim, mas os meus dias na escola não se passavam sem contrariedades. Mochéh, Ram e Késed nunca exigiam explicações; eles retinham sem hesitar aquilo que nos davam para aprender. A mim me chamavam de “Jesus das mil perguntas”. Tudo me provocava interrogações. Por que não trabalhar no dia de sábado? Por que não comer carne de porco? Por que Deus punia em vez de perdoar? As respostas raramente me pareciam satisfatórias, nosso instrutor quase sempre se entrincheirava por trás de um “é a lei” definitivo
Advogado Erivelton: O que você perguntava?
JESUS: Eu perguntava: o que justifica a lei? O que fundamenta a tradição?
Advogado Erivelton: Os instrutores respondiam a estas perguntas?
JESUSEles enrolavam... ás vezes me proibiam de ter a palavra por um dia inteiro. Aí eu ficava apenas escutando e muito confuso, pois para mim era necessário que tudo tivesse um sentido. Eu tinha muita sede de saber
Advogado Erivelton: Como era a sua relação com o Rabino Isaac?
JESUS: O Rabino Isaac tinha uma boa opinião a meu respeito. Uma noite ele foi à nossa casa e falou para o meu pai que eu só encontraria a paz numa atividade religiosa. Essa observação do Rabino me impressionou. A paz? Eu procurar a paz? Aí mais uma vez meu pai me veio com aquela pergunta: “E se você se tornasse um Rabino?”
Advogado: Você fez o Gosto do seu pai?
JESUS : Essa pergunta me entristece
Advogado Erivelton: desculpe!
JESUS: Mas eu respondo a sua pergunta. Eu não fiz o gosto do meu pai José...pouco depois daquela conversa meu pai morreu. Ele caiu de repente, sob o sol do meio-dia quando entregava um baú do outro lado da aldeia; seu coração foi interrompido na beira do caminho
Advogado Erivelton: Como você superou a morte do seu pai?
JESUS: Chorei perdidamente durante três longos meses. Meus irmãos e minhas irmãs haviam secado as suas lágrimas, minha mãe também, muito preocupada em não nos deixar tristes, mas eu não podia me conter; eu chorava o ausente, claro, esse pai de coração mais terno do que a madeira que ele trabalhava
Advogado Erivelton: Por que você chorou mais do que os outros irmãos?
JESUS: Não sei, talvez por nunca ter dito a ele que o amava muito. Cheguei a desejar que, em lugar daquela morte rápida, ele tivesse sofrido uma longa agonia: Ao menos eu poderia ter cuidado dele e ter mais tempo para dizer-lhe repetidamente que o amava. Diria isso até o seu último suspiro...
Advogado Erivelton: Quando o choro passou?
JESUS: no dia em que parei de soluçar eu não era mais o mesmo. Eu não podia encontrar uma pessoa sem dizer a ela que a amava. O primeiro a quem infligi essa declaração foi ao meu amigo Mochéh, ele não gostou, ficou bravo comigo. Me retrucou dizendo: Por que você diz que me ama? Não se diz essas coisas! Só se ama mulheres! Minha mãe tentou me explicar que havia uma lei não escrita que fazia calar os sentimentos
-Qual lei, perguntei?
-O pudor.
-Mas mamãe, não há tempo a perder para dizer às pessoas que as amamos: Todas elas podem morrer, não? Mas ela chorava e apaziguava meus pensamentos
-Meu pequeno Jesus-dizia ela-, não se deve amar demais. Senão você vai sofrer muito.
Advogado Erivelton: Você sofria?
JESUS: Eu não sofria, eu ficava encolerizado com o que eu via
Advogado Erivelto: Por exemplo?
JESUS: Judith e Rachel...
Advogado Erivelton: O que têm Elas?
JESUS: Judith, nossa vizinha, tinha 18 anos de idade e estava apaixonada por um senhor sírio; quando ele veio pedi-la a casamento, os pais de Judith recusaram: A filha deles não se casaria com um homem que não respeita a lei judaica. Trancaram a filha em casa. Uma semana depois, Judith se enforcou. Coisas como essas sempre me encolerizam, não posso concordar com uma lei como esta
Advogado Erivelton : E Rachel, o que aconteceu com ela?
JESUS: Rachel havia se casado à força com um rico proprietário de gado, um homem mais velho do que ela, barrigudo, bundudo, peludo, avermelhado, enorme, intolerante, que batia nela. Um dia ele a encontrou nos braços de um jovem pastor da idade dela. Toda a aldeia apedrejou a adúltera. Ela levou duas horas para morrer das pedradas. Duas horas. Centenas de pedras sobre uma jovem de 20 anos de idade. Rachel. Duas horas. É assim que é a lei de Israel defende o casamento contrário à ordem natural das coisas. Todos esses crimes tinham um nome: A lei. A lei tinha um autor, Deus. Decidi que não amaria mais a Deus. Eu responsabilizava Deus por todas as tolices, todas as prevaricações dos homens; eu ansiava por um mundo mais justo, mais terno, eu voltava o mundo contra Deus, como prova de sua nulidade ou preguiça. Eu instruía o seu processo da manhã à noite
Advogado Erivelton: Por que você começou a voltar o universo contra Deus?
JESUS: O mundo me revoltava. Eu esperava que ele fosse bonito como uma página de escritura, harmonioso como um canto de prece, eu esperava que Deus fosse um artesão melhor, mais cuidadoso, mais atento, que cuidaria tanto dos detalhes como do todo, um Deus que fosse preocupado com a justiça e com o amor. Mas Deus não cumpria a sua promessa
Advogado Erivelton: você me dá medo Jesus. A sua cólera é uma espécie de indisposição sistemática para injustiça, você não acha?
JESUS: Acho, mas diante de tanto mal, acho que a cólera não vai mais me abandonar. De todos os sentimentos, aquele que mais experimentei durante a primeira parte da minha vida foi, sem dúvida, a cólera, uma espécie de indisposição para tudo que conduz à injustiça. Me recuso a pactuar com o mal, eu não aceito as coisas como elas são, eu as vejo como elas devem ser. Pensando como penso, o que irão fazer de mim?
Advogado Erivelton: Talvez façam de você um Rabino
JESUS: Não é disso que eu falo. Eu falo das minhas ideias sobre o Deus que proíbe, sobre a Roma que ocupa a minha casa, sobre os sábados que não posso curar o meu irmão. É disso que falo. Você entendeu?
Advogado Erivelton: Entendi.
JESUS: Vamos beber alguma coisa?
Advogado Erivelton: prefiro vinho
JESUS: Prefiro água. A água é a fonte da vida, da misericórdia e do perdão. Ainda não chegou a hora que terei que beber do meu próprio sangue
Advogado Erivelton: Água, então?
JESUS: Sim
Advogado Erivelton: Depois da morte do seu pai, como ficou a marcenaria?
JESUS: Reabri a oficina do meu pai. Eu era o irmão mais velho, devia sustentar meus irmãos e irmãs. Eu continuei a alisar as tábuas para fazer os baús, as portas, os madeiramentos, as mesas; não o fazia tão bem quanto ele, mas, único marceneiro da aldeia não tinha concorrência. A oficina passou a ser, segundo as palavras da minha mãe, o templo das lágrimas. Diante da mínima contrariedade, os habitantes da aldeia vinham me contar das dificuldades
Advogado Erivelton : O que você dizia para essas pessoas?
JESUS: Eu não lhes dizia nada; escutava, escutava durante horas, como um simples ouvido; no fim, encontrava algumas palavras gentis que a situação deles me inspirava; eles partiam aliviados. Isso devia torná-los indulgentes com as minhas tábuas mal-alinhadas
Advogado Erivelton: Você os curava de alguma doença seja corporal ou espiritual?
JESUS: Na verdade essa conversa com eles me fazia bem. Era bom para eles e bom para mim, pois aliviava a minha cólera. Ao tentar levar os nazarenos para uma região de paz e amor, eu mesmo ia para lá. Minha revolta se apagava diante da necessidade de continuar a viver, de ajudar o outro a viver. Eu percebi que Deus estava por fazer.
Advogado Erivelton: Você percebeu que Deus estava por fazer? O que você quer dizer com isso?
JESUS: Israel sofre. Israel está subjugada pelos romanos. E Deus, o que ele fez até agora? Eu, o que fiz pelo meu povo? Depois que meu pai morreu eu não tive mais sossego. É como se eu tivesse acordado para o mundo. Foi nessa época que os romanos passaram pela Galiléia e que eu descobri que era Judeu. Judeu, era preciso que eu recebesse como um insulto para me dar conta disso. Em Nazaré, eles só estacionaram pelo tempo de uma parada para beber, mas o fizeram com arrogância, escarro nos lábios daqueles que se julgam superiores, daqueles que se consideram nascidos para dominar
Advogado Erivelton: O que os Romanos fizeram de tão ruim?
JESUS: o que fizeram? Tudo. Das outras aldeias nos chegava notícias e barulho dos seus feitos, o número de patriotas mortos, as moças violentadas, as casas saqueadas. Nosso povo sempre foi submetido a inúmeras invasões, dominações, tutelas, como se a nossa condição mais comum fosse a de ocupados. Israel tem a memória dessas infelicidades e eu chego e me dizer, em algumas noites tristes, que, se Israel não tivesse a sua fé, talvez não fosse mais do que a memória de suas infelicidades
Advogado Erivelton: Os romanos humilharam os judeus. Ninguém se revoltou com isso?
JESUS: Sim, muitos se revoltaram. Quando os romanos atravessaram e humilharam a Galiléia, eu me tornei um verdadeiro Judeu. Ou seja, me pus a esperar. Esperar o salvador. Eles humilharam os nossos homens, humilharam a nossa fé. Para a vergonha que sentia, eu só encontrava essa resposta ativa: Esperar o Messias.
Advogado Erivelton: Esperar o Messias? Você passou a esperar o Messias? Você não é o Messias!?
JESUS: Messias havia aos montes na região. Os Messias pululavam na Galiléia. Não se passavam seis meses sem que aparecesse um por lá.
Advogado Erivelton: como eram eles?
JESUS: O salvador chegava sujo, descarnado, barriga vazia, o olhar fixo, e dotado de uma tagarelice de se fazer ouvir até pelos insetos. Nós não os levávamos muito a sério, mas o escutávamos assim mesmo, “no caso de”, como dizia a minha mãe.
Advogado Erivelton: No caso de quê?
JESUS: No caso de ser verdadeiro. De repente um deles poderia ser o verdadeiro. Invariavelmente, ele anunciava o fim do mundo, as trevas às quais só sobreviveriam os justos, uma noite em que nos livraríamos de todos os romanos
Advogado Erivelton: você os ouvia?
JESUS: Sim, eu os ouvia. É preciso confessar que numa vida de trabalho constante como a nossa, fazia bem parar um instante para escutar os relatos incendiários desses iluminados. Eles antecipavam tantas loucuras em que eu ainda não havia pensado e, sobretudo, me dava medo, mas o medo do tempo de um discurso, um medo sem conseqüências, que levou tais Messias se tornaram o meu espetáculo preferido
Advogado Erivelton: Esses Messias eram bons nos seus discursos?
JESUS: Brilhantes. Alguns eram até capazes de fazer a multidão chorar. Eles eram muito estimados. Entretanto, eles nos marcavam muito pouco. Na verdade eles eram contadores de histórias, e os hebreus adoram histórias
Advogado Erivelton: Você era um bom marceneiro?
JESUS: A minha mãe dizia que eu não tinha talento para esta arte. Eu acho que ela estava certa. Às vezes eu acreditava que o meu destino era fazer o que meu pai havia feito. Eu havia abandonado toda a esperança de ser um rabino. Rezo e leio, mas tudo isso só faz multiplicar os meus debates interiores. Muitos nazarenos me consideravam um mau praticante: eu acendia meu fogo no dia de sábado, eu cuidava de um irmãozinho doente no dia de sábado
Advogado Erivelton: O Rabino Isaac, não reclamava desse seu comportamento?
JESUS: Sim, reclamava, ele se inquietava com o meu comportamento, mas impedia que as outras pessoas se irritassem comigo além da conta
Advogado Erivelton: O que ele dizia para essas pessoas?
JESUS: Ele dizia: Jesus é piedoso, dêem um tempo para ele compreender aquilo que vocês já compreendem
Advogado Erivelton: O Rabino era compreensivo com você?
JESUS: Comigo ele era mais severo. Às vezes ele me dizia: Tu sabes que já apedrejaram um homem por causa disso que tu fazes?
Advogado Erivelton: O que você dizia para ele?
JESUS: Eu não faço mal nenhum. Na verdade eu me sentia menos rabino à medida que adquiria uma desconfiança tenaz das pessoas que sabem das leis que a impedem a refletir
Advogado Erivelton: Você acha que vai mesmo ser preso?
JESUS: Eu tenho a mais absoluta certeza da minha prisão
Advogado Erivelton: Por quê?
JESUS: Tenho informação de que a minha ação enérgica e incisiva contra a ganância dos vendilhões no átrio de um ambiente que eu considero santo. Não tenho dúvida de que mexi com interesses financeiros. Toda páscoa é assim, muitos comerciantes a esperam com grande ansiedade para amealharem lucros para o ano inteiro. A minha firme postura contra esses abusos chamou a atenção das ditas autoridades judaicas
Advogado Erivelton: Nenhum outro motivo?

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