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quarta-feira, 6 de março de 2013

O ARGUMENTAÇÃO LÓGICA NA DEFESA CRIMINAL (tópico exemplificativo)


Na defesa criminal o advogado deve verificar, nos autos, se a vítima chegou ameaçar ou agredir o réu antes ou depois dos fatos. Se o réu e a vítima chegaram a entrar em luta corporal antes ou durante os fatos. Se havia qualquer desavença anterior entre eles etc.
É de boa técnica que a defesa selecione pelo menos três argumentos, em ordem de importância e de forma crescente. Parte-se do argumento mais fraco para o mais forte. Ou seja, parte-se do mais fraco, que é reforçado pelo argumento médio, e por último, o mais forte. Veja um exemplo de forma bem simples:
Num baile funk ou numa festa de Reggae, por motivo de ciúmes, Moisés xingou João na portaria do clube, ameçando-lhe de agressão. Dentro do clube, enquanto João estava distraído, Moisés investiu contra ele, esmurrando-lhe duas vezes. João caiu ao chão ensangüentado. Quando Moisés preparava-se para agredi-lo novamente, João apanhou uma tranca que estava perto do bar do clube e desferiu um violento e mortal golpe na cabeça de seu desafeto Moisés.
Explorando o processo, a defesa deve utilizar três argumentos em ordem crescente:
a)    A vítima xingou João.
b)   A vítima o agrediu com dois murros.
c)    A vítima preparou-se para uma nova agressão. João não era obrigado a tolerá-la. Defendeu-se legitimamente. Portanto, não cometeu crime! Agiu em legítima defesa da própria vida.
Tais argumentações são lógicas e juridicamente válidas. O que convence é a argumentação. Por melhor que seja a eloqüência do orador, uma argumentação calcada na boa lógica é muito mais producente.

terça-feira, 5 de março de 2013

POLÍTICA CRIMINAL



ESTADO DO MARANHÃO
SECRETARIA DE ESTADO DA JUSTIÇA E DA ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA
CONSELHO PENITENCIÁRIO DO ESTADO DO MARANHÃO

Considerações relativas à Política Criminal e Penitenciária do Estado do Maranhão
Conselheiro: Erivelton Lago

O Conselho Penitenciário, no âmbito da sua competência, deve atuar como órgão fiscalizador da Execução Penal, exigir e receber relatórios dos Conselhos de Comunidade, supervisionar a assistência aos egressos, Fiscalizar os Liberados Condicionais, inspecionar com mais freqüência os estabelecimentos penais, verificando a regular execução das atividades neles exercidas, representando às autoridades competentes, quando julgar conveniente.
Digo isso porque nos últimos 04 anos a criminalidade aumentou no Estado do Maranhão, apesar dos esforços que tem feito as autoridades ligadas aos órgãos de Segurança Pública através do Governo do Estado.
A capital do Estado do Maranhão, não anda bem no que diz respeito à criminalidade, violência está direto no vocabulário e as palavras harmonia e tranqüilidade saíram da realidade e passaram a ser imaginários como as lendas e as fábulas do cotidiano mitológico do homem comum.
Os bairros que formam o polo Cidade Operária, Cidade Olímpica, Janaína e os da área Itaqui-Bacanga têm criminalidade ainda muito elevada. Por terem um território muito grande e uma imensa população, essas regiões são propícias ao crime e, muitas vezes, a polícia enfrenta dificuldade para combater os criminosos que constantemente agem nessas localidades.
Na verdade, há uma coisa muito fácil de se perceber. Um grande número de jovens estão desocupados e desestimulados. Não freqüentam a escola e não sentem qualquer atração pelo trabalho informal: Construção civil, mecânica de automóvel, marcenaria, carpintaria, serralheria, eletricista, operador de máquinas, Pedreiro, Armador, Motorista, Pintor, encanador Industrial, Soldador etc. são profissões que não trazem a eles nenhum atrativo. Digo isso para ressaltar que uma das maiores causas da criminalidade é a falta de ocupação ou o desemprego.
Contudo, surge aí outro problema: A sociedade e os governantes prestigiam as profissões acima citadas? As pessoas vêem essas profissões como algo de valor material ou moral que devem servir de estímulo à juventude? Claro que não. São profissões que só queremos para os filhos dos outros. Os nossos filhos devem seguir as profissões como: Médico, Advogado, Engenheiro, Promotor de Justiça, Professor de Universidade, Policial Federal, Delegado de Polícia, Juiz de Direito, Fiscal de Renda etc.
As profissões ligadas ao ensino médio sobram para os menos abastados. Acontece, porém, que os menos abastados também gostam de luxo, gostam de carro, gostam de casa em condomínios de luxo, gostam de roupa de marca, gostam de shoppings centers. Então, pergunta-se: O que deve fazer o governo e a sociedade para equacionar esse problema que está diretamente ligado à criminalidade? A meu pensar, está na hora do governo começar incentivar as profissões, prestigiar os profissionais das áreas menos cobiçadas, pois sabe-se que a falta de perspectiva leva o homem ao crime. As Grandes cidades são a “terra das oportunidades”. A vertiginosa onda migratória dos campos para as cidades, principalmente para os maiores centros demográficos é também uma causa do aumento dos crimes contra o patrimônio. A migração tem como conseqüência a inadaptação às novas condições de vida que dar como resultado a marginalização, a formação de favelas e a geração da criminalidade.
No Maranhão os bairros guardam características comuns, desde os delitos que são cometidos com mais frequência, até o comportamento dos moradores, que muitas vezes têm que alterar a rotina para evitar que sejam vítimas de um ato criminoso.
A Cidade Operária, Cidade Olímpica, Vila Janaína, Coroadinho, Vila Embratel, Vila Luizão, Divinéia, Vila Alexandra Tavares, Vila Riod, Santa Clara e outros bairros com demografias semelhantes, são bairros com índice muito elevado de criminalidade. Na Cidade Olímpica, por exemplo, a maioria dos crimes registrados na região são homicídios, roubos qualificados, latrocínios (matar para roubar), tráfico de drogas e estupro de vulneráveis. Grande parte dessas ocorrências acontece durante os fins de semana ou na madrugada.
Sabe-se que, na maioria das vezes, os crimes têm como principais causas a pobreza, a falta de educação e, até mesmo, a religião. Essas causas, isoladamente, não são percebidas. No entanto, em conjunto contribuem para aumentar os índices de criminalidade em todo Estado. Daí a necessidade da aplicação de uma política de valorização da juventude, do incentivo ao estudo sistemático, ao trabalho informal, vez que não há trabalho formal para todos.
Em meio a todas essas causas evidentes da violência e da criminalidade, aponta-se, também, a pequena quantidade de policiais nas delegacias. Essa carência é um dos obstáculos no combate à criminalidade no Maranhão. É preciso investir na prevenção. É necessário que a polícia esteja presente nas ruas, nos bairros, nas festas realizadas na periferias das cidades para que seja reduzido o índice de criminalidade no Estado.
Na área do Itaqui-Bacanga, na capital do Maranhão, os crimes mais freqüentes são homicídios, furtos, roubos a veículos e a violência doméstica. O bairro do Anjo da Guarda, Fumacê, Vila Mauro Fecury I e II, Vila Isabel, Sá Viana e Vila Embratel são os bairros onde os atos de criminalidade são mais registrados. Nesses locais, o tráfico de drogas é a principal causa dessas ocorrências.

O traficante pressiona outra pessoa a pagar a dívida que tem e essa pessoa comete os delitos para quitar a dívida. O traficante vende a droga para outro, esse deverá pagar no apuro, se, por um inconveniente qualquer, não conseguir pagar a dívida, é morto pelo traficante credor, pois essa conta não pode ser cobrada na justiça formal.

Ora, por que isso acontece? Isso só acontece porque onde o poder estatal não está presente outro poder aparece. É indiscutível que não existe vácuo de Poder. De forma simples, quando o Poder do Estado Democrático de Direito não se faz presente, outra espécie de Poder se fará.

O tráfico de drogas é um comércio ilícito, mas é comercio e tem consumidor em toda parte. O Estado, por sua vez, combate a prática comercial, mas não combate o consumidor. Por outro lado, trata-se de um comércio que envolve muito dinheiro, muitos contratos verbais e compromissos. Tais contratos quando não são cumpridos os envolvidos não têm a quem recorrer, por esse motivo esses comerciantes/traficantes criam suas próprias leis que, ao final de tudo, a punição é o crime contra a pessoa devedora, é a morte, é a violência.

    Sabe-se que são muitas as operações policiais realizadas nos bairros de São Luis. Essas abordagens visam o desarmamento e o combate ao tráfico de drogas, contudo, essa solução é paliativa. É necessário que se faça investimento na Polícia Civil e na Polícia Militar sem que se perca de vista o movimento diário da juventude. Toda a energia de uma sociedade está concentrada na juventude, seja para o bem, seja para o mal. O Estado deve sempre está atento ao crescimento físico e psicológico do homem, pois ele é o presente e futuro.
    Na visão de Jean Pimentel, La sociedade criminógena, “as influências sociais criminógenas não produzem efeito nocivo se não incidem em um terreno propício, Isto é, sem as condições propícias, pois elas é que ajudam potencialmente as causas a se manifestarem.”

    Em outras palavras, as causas do crime existem potencialmente, mas elas só se manifestam se houver condições propícias e não chegariam a efeito ou efeitos, se não houvesse fatores, pois os fatores é que são elos de ligação entre causa e o efeito.
    Em resumo, para que se possa combater a criminalidade é necessário que se tenha em mente que para todo crime existe uma causa, uma condição, um fator e um indício.

A causa é a ação que sem ela o crime jamais teria ocorrido. A condição é o elemento que pode favorecer ou estimular o aparecimento da causa, para que ele produza o seu efeito ajudando potencialmente a causa se manifestar. Assim, para que a semente, (causa) lançada ao solo possa germinar, crescer, e dar bons frutos, são necessárias condições favoráveis, solo bom e adequado, cova em determinada profundidade, plantio em determinada fase da lua etc.

    Poderemos comparar a semente com o homem ou com a sua personalidade, e as demais condições físicas, psíquicas, biológicas, ecológicas e sociais. Assim como a semente não pode ter defeitos, as suas propriedades constitucionais tem que ser perfeitas para que satisfaçam uma das condições para os bons resultados.

    Assim, a constituição psicossomática do homem e os atributos de sua personalidade têm que ser perfeitos e normais  para que possa ser pessoa moralmente íntegra e funcionar altruisticamente na sociedade, mas se houver falha nessa constituição e nesses atributos, os resultados não podem ser os mesmos, e se esses defeitos de constituição e de personalidade sofrerem a interferência dos influxos das condições desfavoráveis do meio físico, ecológico e social o indivíduo tende a degradar moralmente e a rumar por caminhos imprevisíveis, podendo marginalizar-se, praticar atos anti-sociais e, entre esses, os delitos de toda espécie.

     O Conselho Penitenciário, como órgão da execução penal, com sua função ligada às pessoas que já estão condenadas a uma pena, portanto, o indivíduo já marginalizou-se, tem o papel inspecionar os estabelecimentos penais, verificando a regular execução das atividades neles exercidas, representando às autoridades competentes, quando julgar conveniente. Todavia, essa função não é suficiente. O Conselho precisa atuar com mais efetividade. Deve trabalhar no sentido de participar da recuperação do preso, dar assistência aos egressos no sentido de fazer com que não voltem a delinquir.


De acordo com dados do levantamento realizado pela Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, a maioria dos crimes praticados são de autoria de pessoas do sexo masculino, a maioria dos homicidas estão envolvidos com atos ilícitos, são companheiros ou ex-companheiros das vítimas, são parentes ou pessoas próximas (colegas) ou jovens pobres dos bairros excluídos da grande São Luís, a quem são negados os direitos humanos e os direitos à cidadania, para quem liberdade, igualdade e justiça são apenas palavras sem significado) e fazendo uma ‘base’ de todas as informações e dados coletados percebe-se a facilidade com que os crimes acontecem, principalmente nos finais de semana, nas noitadas pela cidade mais como um ‘acerto de contas’ talvez pela descrença na polícia e na eficácia das instituições que estão aí para solucionar os conflitos e punir. Para ter uma superação dessa realidade é preciso ter uma inversão de prioridades, onde o governo e a sociedade devem ter uma maior preocupação com os fatores do crime que é o elemento que contribui e colabora para o resultado.
Sabe-se que em matemática o fator é cada uma das quantidades que se multiplicam para formar um produto. Neste caso um só fator não dá um produto. Em criminologia, também, não se pode falar em um só fator porque o comportamento humano criminoso é produto de múltiplos fatores que se ralacionam entre si. Os fatores são condicionadores de comportamentos. O fator é tudo o que concorre para o resultado.

    Por fim, viver num bairro onde não tem um cinema, não tem saneamento básico, não tem boas escolas, não tem parques de diversão e onde a maioria dos jovens estão desempregados. Isto é um indício, é um sinal premonitório ou o sintoma que possibilita o descortínio dos fatores etiológicos do comportamento criminoso.

Só a situação em que a criança e o adolescente vivem já é um indício de que “podem” ser um dia criminoso. Por isso finalizo esse relatório com o seguinte princípio prevencionista: Evitada ou eliminada a causa não há como surtir efeitos.

São Luis, 25 de fevereiro de 2013

ERIVELTON LAGO
Conselheiro

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Júri (Teste de Hangout)



1º Teste de Hangouts


Embriaguez ao volante e mortes no trânsito: “novas” polêmicas, “antigas” discussões

Autor: David Pimentel Barbosa de Siena
 
 
Resumo: Análise do PLS n. 48/2011, do HC 107.801, e outras questões polêmicas relativas à embriaguez ao volante e mortes no trânsito
Segundo a Organização Mundial da Saúde, entre todos os países, o Brasil conta com o quinto maior número de mortes ocasionadas por acidentes de trânsito. Estudos da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego revelam que do total de acidentes de trânsito considerados, trinta por cento dos casos envolveram o uso de bebidas alcoólicas.
Se considerarmos os casos de acidente de trânsito que redundaram em resultado morte, os números são ainda mais alarmantes. O Ministério da Saúde relata que cinquenta por cento das mortes ocorridas por consequência de acidentes de trânsito estariam relacionadas à ingestão de bebidas alcoólicas por condutores de veículos automotores.
Diante destes dados alarmantes, o maior rigor da legislação penal de trânsito surge como primeira resposta para fazer frente ao crescente número de casos envolvendo embriaguez com resultado morte.
Contudo, o “Mapa da Violência de 2011 – Os Jovens do Brasil”, estudo resultante da parceria entre o Instituo Sangari e Ministério da Justiça, apurou os índices relativos a violência e a mortandade juvenil. Esta interessante pesquisa revelou que entre os anos de 1998, ano do início da vigência do Código de Trânsito Brasileiro, e 2008, houve um acréscimo nos números de casos de acidentes de trânsito com vítimas, de sete inteiros e setenta centésimos por cento. O resultado entre os jovens é ainda pior. Se considerarmos o mesmo período, o acréscimo é da ordem de vinte inteiros e quarenta centésimos por cento.
No detalhamento deste estudo se considerou três marcos ao logo do tempo. Em um primeiro período tivemos a chamada “Fase Pré-Código de Trânsito”, que compreendeu o período de tempo anterior à edição do diploma legal, ou seja, até o ano de 1996. Nesta fase, foi apurado que o índice de aumento do número de acidentes de trânsito com resultado morte de jovens chegou à ordem dos sete inteiros e vinte centésimos por cento. Já em um segundo momento, no período denominado de “Fase do Impacto do Código de 1997”, considerado até o ano de 2000, ocorreu sensível queda dos índices de mortalidade juvenil resultantes de acidentes de trânsito. Levando em conta todo período, houve diminuição do índice em quatorze inteiros e setenta centésimos por cento do total dos casos.
Os resultados obtidos no período de impacto do Código de Trânsito Brasileiro nos levariam a crer que o simples rigor da então nova lei penal solucionaria este problema nacional. Porém, como de fato ocorreu, o índice da mortalidade juvenil nos últimos anos vem crescendo a passos largos. Os estudos concluíram que na “Fase Pós-Código”, período compreendido entre os anos de 2000 a 2008, a taxa de crescimento anual da mortalidade chega à órbita de dois inteiros e um centésimo por cento.
Com o advento da Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 1997, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, passou a ser tipificada a “embriaguez ao volante” em seu artigo 306, que possuía a seguinte redação: “conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”.
À época desta redação do artigo 306, restou consolidado, na doutrina e na jurisprudência, que se tratava de um crime de perigo concreto, ou seja, para a sua configuração era necessária efetiva demonstração da exposição do bem jurídico a um perigo de dano. No que concerne à “embriaguez ao volante”, o entendimento era de que somente a partir do momento em que o embriagado conduzisse de modo anormal o veículo automotor é que estaria configurado o crime. Além disso, de acordo com a antiga redação do artigo 306, era admitido o chamado exame clínico para a constatação de embriaguez, uma vez que o tipo penal não exigia qualquer quantia mínima de álcool por litro de sangue do embriagado.
Sucede que, a Lei n. 11.705, de 19 de junho de 2008, popularmente conhecida como “Lei Seca”, alterou sensivelmente a redação do dispositivo em questão, in verbis: “conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”. Além de permitir que por ato administrativo “o Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo” (parágrafo único).
A nova disposição de infeliz redação foi duramente criticada pela doutrina, vez que pretendeu tornar a “embriaguez ao volante” em um crime de perigo abstrato, e assim, dispensaria a demonstração da exposição do bem jurídico a um efetivo perigo de dano. E ainda, ao estabelecer a elementar “concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas”, criou a exigência da comprovação do estado de embriaguez pelo exame pericial correspondente, vale dizer, exame hematológico. A detecção da embriaguez por outros métodos como o uso do etilômetro passou a ser admitida por força do estipulado no parágrafo único. Porém, é necessário dizer que o simples exame clínico não supre as novas exigências do tipo penal.
E o legislador penal pretende uma vez mais modificar a norma penal incriminadora da “embriaguez ao volante”, com a proposição do Projeto de Lei do Senado n. 48/2011, de autoria do Senador Ricardo Ferraço. Este projeto visa modificar a redação do artigo 306, Lei n. 9.503, de 30 de setembro de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro, nos seguintes termos:
“Art. 306. Conduzir veículo automotor, sob influência de qualquer concentração de álcool ou substância psicoativa que determine dependência:
Penas - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
§ 1º Se da conduta resultar lesão corporal, aplica-se a pena de detenção, de 1(um) a 4 (quatro) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
§ 2º Se da conduta resultar lesão corporal de natureza grave, aplica-se a pena de reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
§ 3º Se da conduta resultar morte, aplica-se a pena de reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
§ 4º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) a 1/2 (metade) se a condução se dá:
I - sem possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação ou, ainda, se suspenso ou cassado o direito de dirigir;
II - com Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação de categoria diferente da do veículo que esteja conduzindo;
III - nas proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque de passageiros, ou onde haja grande movimentação ou concentração de pessoas;
IV - transportando menor, idoso, gestante ou pessoa que tenha seu discernimento reduzido;
V - no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros ou cargas;
VI - em veículos que exijam Carteira de Habilitação na categoria C, D ou E;
VII - em rodovias;
VIII - gerando perigo de dano.
§ 5º A caracterização do crime tipificado neste artigo poderá ser obtida:
I - mediante testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outros meios que, técnica ou cientificamente, permitam certificar o estado do condutor;
II - mediante prova testemunhal, imagens, vídeos ou a produção de quaisquer outras provas em direito admitidas”.
A predita proposição passou pelo crivo da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, sendo que o parecer da lavra do Senador Relator Vital do Rêgo, em decisão terminativa, votou pela aprovação Projeto de Lei.
Convém rememorar a clássica distinção entre crimes de dano e de perigo. Os primeiros são aqueles em que é exigido para a consumação do delito a efetiva lesão ou ofensa ao bem jurídico. Já os crimes de perigo, de modo geral, são aqueles em que a consumação ocorre com a mera criação de risco ao bem ou interesse jurídico tutelado pela norma penal, ou seja, sem a necessidade da ocorrência de efetivo dano.
Como se sabe, os crimes de perigo são classificados em crime de perigo concreto e crime de perigo abstrato. Perigo concreto é aquele em que se necessita a comprovação da exposição do bem ao risco proibido. Por outro lado, quando se está diante de um perigo abstrato, esta comprovação é dispensada, pelo que a lei presume o perigo.
Pela redação deste projeto de lei, uma vez mais o legislador pretende criar um crime de perigo abstrato. Segundo a proposição, na figura simples (“caput”) não seria necessária comprovação da exposição do bem jurídico tutelado pela norma penal ao risco. Caso o risco seja efetivo e comprovado incidirá para a hipótese a causa de aumento de pena prevista no inciso VIII do parágrafo quarto.
Nota-se que a presente proposição segue uma tendência de política criminal contemporânea, que propõe a criação ou manutenção de crimes de perigo abstrato sob o pretexto de evitar futuras lesões aos bens jurídicos tutelados pela norma penal.
Esta tendência de política criminal foi devidamente destacada na obra de Basileu Garcia:
“Nos dias de hoje, é cada vez maior a importância teórica dos crimes de perigo. Se antes a doutrina concebia um direito penal que agia preponderantemente de forma repressiva, ou seja, posteriormente à lesão a bens jurídicos, fala-se hoje também em atuação penal antecipatória, visando prevenir lesões, e não apenas apenar seus agentes” (GARCIA, B. Instituições de Direito Penal. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 1, tomo I, p. 271).
Contudo, a relação custo-benefício entre a previsão de crimes de perigo e a prevenção criminal ainda foi devidamente comprovada. Ademais, podemos cair no risco de adotarmos um Direito Penal meramente simbólico com bem advertiu Juarez Cirino dos Santos:
“A inibição de impulsos anti-sociais pela ameaça penal somente seria relevante no Direito Penal simbólico, destituído de eficácia instrumental e instituído para legitimação retórica do poder punitivo do Estado – mediante criação / difusão de imagens ilusórias de eficiência repressiva na psicologia do povo –, mas é absolutamente irrelevante no Direito Penal instrumental, cujo objeto é delimitado pela criminalidade comum, área de incidência exclusiva da repressão penal seletiva” (SANTOS, J. C. Direito Penal. 2ª ed., Curitiba: ICPC; Lumen Juris, 2007, p. 481-482).
À luz do princípio da ofensividade, para que uma conduta seja considerada crime, é exigida a presença, no mínimo, de um perigo concreto, real e efetivo de dano a um bem ou interesse penalmente relevante. Em uma de suas facetas o predito princípio visa “proibir a incriminação de condutas desviadas que não afetam qualquer bem jurídico” (BATISTA, N. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 11ª ed., Rio de Janeiro: Revan, 2007, p. 94). Todavia, como analisou Eugenio Raúl Zaffaroni “tal princípio é quase sempre aceito em nível discursivo, mesmo que o próprio discurso o desvirtue ao abrir múltiplas possibilidades para racionalizar sua neutralização” (ZAFFARONI, E. R. Direito Penal Brasileiro I. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2003, p. 226).
O projeto de lei pretende incriminar uma conduta incapaz de por si só colocar em perigo concreto o interesse jurídico que visa tutelar penalmente. Em outras palavras, ao propor transformá-lo em um crime de perigo abstrato, a norma penal incriminadora passará a descrever uma conduta incapaz de colocar em risco efetivo o bem jurídico. Em última análise, a presente proposição é inconstitucional, por violar o princípio da ofensividade.
Neste mesmo sentido já se manifestou Cezar Roberto Bitencourt, para quem:
“São inconstitucionais todos os chamados crimes de perigo abstrato, pois, no âmbito do Direito Penal de um Estado Democrático de Direito, somente se admite a existência de infração penal quando há efetivo, real e concreto perigo de lesão a um bem jurídico determinado (BITENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal. 16ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2011, v. 1, p. 52).
De outra banda, a discussão acerca do elemento subjetivo da conduta no caso de embriaguez ao volante com resultado morte sempre rendeu polêmicas perante a opinião pública, além de acalorados debates na doutrina e jurisprudência. Afinal, o condutor embriagado de veículo automotor pratica homicídio culposo de trânsito ou homicídio doloso, com base na teoria da representação (dolo eventual)?
Distinguir o dolo eventual da culpa consciente sempre foi uma das tarefas mais árduas e ingratas do Direito Penal. A linha que difere uma modalidade de crime de outra é bem tênue, uma vez que tanto no dolo eventual como no caso de culpa consciente há a previsibilidade do resultado. Portanto, como distinguir o dolo eventual da culpa consciente? Existem fundamentalmente duas teorias que buscam traçar a distinção entre o dolo eventual e a culpa consciente.
A primeira teoria se atém essencialmente na probabilidade do resultado, ou seja, se a ocorrência do resultado for muito provável será o caso de dolo eventual, e, por outro lado, se a ocorrência deste for pouco provável estar-se-ia diante de um caso de culpa consciente. O conceito de maior ou menor probabilidade da conduta é fluido o suficiente para permitir casuísmos e o arbítrio estatal. Como se nota, a teoria da probabilidade despreza o elemento volitivo da conduta, que ao nosso juízo é indispensável para a correta distinção entre dolo eventual e culpa consciente.
Em sintonia com a atual teoria geral do crime de índole finalista, a teoria da vontade resolve com superioridade a questão. Ensinava com maestria Aníbal Bruno que: “o fato doloso e o fato culposo, que, segundo a doutrina tradicional, só se distinguem no campo da culpabilidade, separam-se, na teoria finalista, desde o momento inicial da ação” (BRUNO, A. Direito Penal. 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, tomo I, p. 189). Para esta teoria, além da análise acerca da probabilidade do resultado, há a necessidade de ser analisado o elemento volitivo da conduta. No dolo eventual, além do agente representar a probabilidade do resultado, concorda com a sua ocorrência. Ao contrário, no caso da culpa consciente, o agente representa a probabilidade do resultado, mas não desejando a sua ocorrência, calcula mal e age, produzindo o resultado.
Diante da tormentosa tarefa de distinguir estes institutos, Cezar Roberto Bitencourt leciona que:
“A distinção entre dolo eventual e culpa consciente resume-se à aceitação ou rejeição da possibilidade do resultado. Persistindo a dúvida entre um e outra, dever-se-á concluir pela solução menos grave, qual seja, pela culpa consciente, embora equivocadamente, não seja essa a orientação adotada na praxis forense” (BITENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal. 16ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2011, v. 2, p. 343).
Recentemente, foi proferida importante decisão sobre o tema. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Habeas Corpus n. 107.801, desclassificou o caso para homicídio culposo (artigo 302, do Código de Trânsito Brasileiro), in verbis:
“PENAL. HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA POR HOMICÍDIO QUALIFICADO A TÍTULO DE DOLO EVENTUAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA. ACTIO LIBERA IN CAUSA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO VOLITIVO. REVALORAÇÃO DOS FATOS QUE NÃO SE CONFUNDE COM REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. ORDEM CONCEDIDA.
1. A classificação do delito como doloso, implicando pena sobremodo onerosa e influindo na liberdade de ir e vir, mercê de alterar o procedimento da persecução penal em lesão à cláusula do due process of law, é reformável pela via do habeas corpus.
2. O homicídio na forma culposa na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB) prevalece se a capitulação atribuída ao fato como homicídio doloso decorre de mera presunção ante a embriaguez alcoólica eventual.
3. A embriaguez alcoólica que conduz à responsabilização a título doloso é apenas a preordenada, comprovando-se que o agente se embebedou para praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo.
4. In casu, do exame da descrição dos fatos empregada nas razões de decidir da sentença e do acórdão do TJ/SP, não restou demonstrado que o paciente tenha ingerido bebidas alcoólicas no afã de produzir o resultado morte.
5. A doutrina clássica revela a virtude da sua justeza ao asseverar que "O anteprojeto Hungria e os modelos em que se inspirava resolviam muito melhor o assunto. O art. 31 e §§ 1º e 2º estabeleciam: 'A embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos, ainda quando completa, não exclui a responsabilidade, salvo quando fortuita ou involuntária. § 1º. Se a embriaguez foi intencionalmente procurada para a prática do crime, o agente é punível a título de dolo; § 2º. Se, embora não preordenada, a embriaguez é voluntária e completa e o agente previu e podia prever que, em tal estado, poderia vir a cometer crime, a pena é aplicável a título de culpa, se a este título é punível o fato’ (Guilherme Souza Nucci, Código Penal Comentado, 5. ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: RT, 2005, p. 243).
6. A revaloração jurídica dos fatos postos nas instâncias inferiores não se confunde com o revolvimento do conjunto fático probatório. Precedentes: HC 96.820/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 28/6/2011; RE 99.590, Rel. Min. Alfredo Buzaid, DJ de 6/4/1984; RE 122.011, relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 17/8/1990.
7. A Lei nº 11.275/06 não se aplica ao caso em exame, porquanto não se revela Lex mitior, mas, ao revés, previu causa de aumento de pena para o crime sub judice e em tese praticado, configurado como homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB).
8. Concessão da ordem para desclassificar a conduta imputada ao paciente para homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB), determinando a remessa dos autos à Vara Criminal da Comarca de Guariba/SP”.
Malgrado estes posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, o legislador penal ainda pretende apresentar uma outra proposição no mínimo inusitada. Segundo a imprensa, o Senador Ricardo Ferraço estuda com a sua assessoria a possibilidade de que fique estabelecido na legislação que qualquer motorista flagrado dirigindo alcoolizado, com as devidas provas, nos casos de morte, seja julgado por prática de homicídio doloso – com intenção de matar – e não homicídio culposo, ou seja, quando não há intenção de colocar a vida de terceiros em risco.
Caso a pretensão do legislador se torne projeto de lei, inevitavelmente estaremos diante de um flagrante caso de inconstitucionalidade. Pensemos na seguinte situação hipotética: um ciclista embriagado atropela uma vítima que morre. Este ciclista seria responsabilizado em tese por homicídio culposo (artigo 121, parágrafo terceiro, do Código Penal). Sob esta ótica, na eventualidade desta proposta, estar-se-ia violado o princípio constitucional da isonomia ou igualdade, vez que nada justifica este tratamento diferenciado.
Com a devida vênia, mas se esta ideia se transformar em proposição legislativa, e posteriormente lei, estar-se-ia diante de um verdadeiro arbítrio estatal. Quanto aos demais crimes culposos, passariam a serem considerados crimes dolosos? O que justifica este tratamento diferenciado para o caso de embriaguez ao volante com resultado morte?
Nem mesmo o argumento de que estaríamos diante de um caso de maior desvalor da ação parece convencer. Sendo o desvalor do resultado o mesmo, ou seja, a morte, esta exacerbação do tratamento penal ultrapassa os limites da necessidade. O legislador deve proteger os bens ou interesses jurídicos com o mínimo de sacrifício do direito de liberdade. Com efeito, a proposta, além de violar o princípio da isonomia ou igualdade, viola também o princípio da proporcionalidade.
Por outro lado, deve-se levar em conta que a possibilidade da coexistência de soluções judiciais díspares é matéria pertinente ao processo penal. A proposta esvaziaria o poder jurisdicional, pelo que subtrairia do juiz o dever-poder de apreciar o elemento subjetivo da conduta do agente. Pelos princípios da livre investigação das provas e da persuasão racional do juiz, cada caso deve ter o tratamento que merecer quanto à tipificação criminal. Diante das provas existentes no processo, cabe ao magistrado dar o colorido jurídico ao fato.
Neste sentido se manifestou Eugenio Raúl Zaffaroni:
“O limite entre o dolo eventual e a culpa com representação é um terreno movediço, embora mais no campo processual do que no penal. Em nossa ciência, o limite é dado pela aceitação ou rejeição da possibilidade de produção do resultado, e, no campo processual, configura um problema de prova que, em caso de dúvida sobre a aceitação ou rejeição da possibilidade de produção do resultado, imporá ao tribunal a consideração da existência de culpa, em razão do benefício da dúvida: in dubio pro reo”. (ZAFFARONI, E. R. Manual de Direito Penal brasileiro. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, v. 1, p. 431).
Por derradeiro, ao legislador penal não é dado desvirtuar a natureza dos institutos jurídicos consolidados. Parece ser ilógico e irreal o legislador pretender definir que casos que poderiam ser tipificados como crimes culposos, sejam considerados dolosos. Em última análise, seria o mesmo que pretender definir na lei que “o céu passará a ser considerado de cor vermelha”.
Ao que tudo indica, a doutrina e jurisprudência devem ficar em estado de alerta, uma vez que o legislador poderá propor novas leis que com absoluta certeza complicaram ainda mais a tarefa de aplicar a norma penal. Acreditamos que o legislador deve editar normas penais que estejam em harmonia com o ordenamento jurídico, e antes de pensar em um maior rigor penal, deve cobrar da Administração Pública a efetiva aplicação das leis já postas, ou seja, uma maior fiscalização a cargo dos agentes públicos competentes.

Referências bibliográficas:
BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 11ª ed., Rio de Janeiro: Revan, 2007.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 16ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2011, v. 1 e 2.
BRUNO, Aníbal. Direito Penal. 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, tomo I.
GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 1, tomo I.
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal. 2ª ed., Curitiba: ICPC; Lumen Juris, 2007.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Direito Penal Brasileiro I. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2003.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Direito Penal brasileiro. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, v. 1.
 

Informações Sobre o Autor

David Pimentel Barbosa de Siena Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, Especialista em Direito Penal pela Escola Paulista da Magistratura, Delegado de Polícia do Estado de São Paulo, Professor de Direito Penal da UniABC - Universidade do Grande ABC.

Fonte:  http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10597

 

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

O ADVOGADO E O PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL




O devido processo legal constitui dogma constitucional. É princípio constitucional. A constituição de 1988, no seu art. 5º, LIV, prevê: “Ninguém será privado da sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Trata-se do due processo of law. É o processo conforme a lei. O processo deve tramitar segundo a forma estabelecida em lei. No Brasil, por exemplo, o processo penal não pode ser iniciado senão pela denúncia ou pela queixa-crime; a lide só é solucionada com a sentença, ato que encerra a relação processual, salvo se o acusado vier a ser absolvido sumariamente em seguida à defesa escrita que oferece tão logo é citado; a pena só pode ser imposta pelo Juiz (nulla poena sine judice) e somente na sentença (nulla poena sine judicio); há de se observar o Juiz competente ou natural; o rito procedimental deve ser cumprido à risca, pois tocantemente aos atos processuais também deve haver adequação típica.
Hoje, no nosso sistema processual penal, constitui julgamento antecipado da lide a absolvição sumária operada depois da defesa escrita (CPP, art. 396 e 397), e no caso da transação penal no curso do processo, pois se não há aí julgamento propriamente dito, há uma solução antecipada de interesse. E a transação penal é possível no curso do processo, conforme a lei 9.099/95. Contudo, dentro dos preceitos relativos ao devido processo legal.
O devido processo legal é sinônimo de garantia, atendendo assim aos ditames constitucionais. Com isto consagra-se a necessidade do processo tipificado, sem a supressão ou desvirtuamento dos atos processuais.
O artigo 5º, inc LIV da Constituição Federal determina que ninguém poderá ser processado nem sentenciado sem o devido processo legal. A importância desse princípio deriva do fato de que os princípios do contraditório e da ampla defesa derivam exatamente dele, nascem dele. Outros princípios que derivam do devido processo legal é o do acesso à justiça, do promotor natural, da igualdade entre as partes, igualdade na lei, publicidade dos atos processuais, motivação das decisões, proibição de provas ilícitas, interceptações telefônicas, inviolabilidade do domicílio, inafastabilidade do controle jurisdicional e princípio do direito de ação, todos tendentes a garantir que a prolação de determinada decisão judicial ou administrativa seja precedida de ritos procedimentais assecuratórios dos direitos das partes litigantes.
Em linhas gerais o escopo do princípio do devido processo legal é reduzir o risco de ingerências indevidas nos bens tutelados, através da adoção de procedimentos adequados.
Cintra, Grinnover e Dinamarco conceituam o princípio do devido processo legal como um conjunto de garantias de ordem constitucional, que de um lado asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes de natureza processual e, de outro, legitimam a própria função jurisdicional. Neste sentido, muitas vezes o princípio incide para invalidar regras processuais com ele incompatíveis ou, para ordenar determinado procedimento, sempre que não houver uma ordenação legal, ou ainda quando a regulação daquele procedimento não for apta a realizar o fim propugnado pelo princípio.
O advogado deve fixar um olhar diferenciado para o princípio do devido processo legal. O advogado deve compreendê-lo como uma garantia fundamental do seu cliente, servindo de instrumento para superação de eventuais injustiças processuais ou substanciais. O devido processo, como "princípio da justiça", não pode ser um princípio vazio, solto, dado o seu caráter principiológico, deve ser a expressão do direito justo, equânime (procedimental e material).As inferências que podem ser tiradas da cláusula do devido processo legal são infinitas e únicas,  principalmente por conta da abrangência extremamente lata do princípio.
 O advogado deve ver esse princípio como uma cláusula aberta e útil à arte de advogar; pois trata-se de um super-princípio, o princípio-mor, uma mega cláusula. Além de garantia constitucional do cidadão. O advogado deve acreditar no “devido processo legal” por ser ele única e última esperança e garantia de justiça no processo em qualquer decisão. Quantas vezes o causídico quando já estava perdendo a esperança ele é salvo por esse princípio? É um princípio cego com raios de luz para todos os lados. É o princípio sinônimo de direito em contraponto à justiça. É um princípio sem lado, é imparcial e garantidor. É o princípio do sim e do não. Com ele não se faz apenas a justiça substancial, com ele o advogado realiza o direito e a justiça substancial construída na dinâmica social.
Quantas vezes a sociedade, a imprensa e os desavisados fazem críticas ao direito e à justiça pela observação ao devido processo legal?. A exemplo da insurgência do advogado para que seja observado no processo a  incompetência de um Juiz, ilegitimidade da parte, falta de exame de corpo de delito, falta das fórmulas da denúncia, falta do defensor, falta da citação, falta de fundamentação de uma sentença, número mínimo de jurados para que haja julgamento pelo júri, falta de quesitos obrigatórios no júri, falta de citação do réu para se ver processar, etc.
São fórmulas ou termos que são garantidos pelo princípio do devido processo legal. Não importa se o acusado é culpado, cruel, assassino em série, estuprador ou pistoleiro de aluguel. Se o processo não seguiu os ditames desse princípio todo o trabalho será nulo e o mais cruel dos assassinos será posto em liberdade, pois ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal, sob a permanente vigilância da advocacia.

Fonte: Muccio, Hidejalma, 2ª Ed, Curso de Processo Penal;
Jannezeski, Célio Armando, Constituição Federal comentada;
Guilherme de Sousa Nucci, Código de processo penal comentado, 9ª Ed.

A entrevista de Jesus (Parte XII) - NÃO HÁ AMOR MAIOR DO QUE DAR A VIDA POR SEUS AMIGOS


DR. ERIVELTON LAGO - O ADVOGADO QUE ENTREVISTOU JESUS CRISTO NA NOITE QUE ANTECEDEU A SUA PRISÃO E SUA MORTE - (PARTE XII)


Advogado Erivelton: Os Galileus escutavam essa belas lições sobre o seu reino?
JESUS: Os galileus me escutavam boquiabertos, pois é com a boca que eles escutam; com os ouvidos eles não ouvem nada. Minhas palavras ricocheteavam de crânio em crânio, sem entrar em nenhum. Eles só apreciavam meus milagres. Tive que tomar medidas, proibir os discípulos de deixar o menor enfermo se aproximar. Mas nada podia parar a arrebentação: Faziam passar os entrevados pelas janelas, pelo teto. No lago de taberíades, tive que me afastar da margem, em um barco, a fim de poder falar com os aldeões sem que eles viessem me tocar e me implorar. Em vão! Todos só suportavam minhas pregações por complacência, como se engole um pedaço de quiabo cozido: O prato principal continuava sendo o milagre. Na verdade eu tinha me tornado um funcionário de Deus. As pessoas já iam ao meu encontro só para ter a certeza de que se tratava mesmo do Filho de Deus. Depois se afastavam balançando a cabeça: Sim, sim, ele é mesmo o Filho de Deus.
Advogado Erivelton: E seus irmãos, sua mãe, o que foi feito deles depois daquele encontro em Nazaré?
JESUS: Os meus irmãos e minha mãe apareceram um dia pelo meio da multidão de uma aldeia por onde eu passava. Eu sabia que eles debochavam de mim, de minha pretensão, de minha loucura. Muitas vezes eles haviam me enviado mensagens suplicando-me que parasse de representar esse papel de Cristo; como eu nunca tinha respondido, eles vieram me impor um conselho de família. A multidão cercava o albergue onde nós nos havíamos refugiado, os discípulos e eu.
Advogado Erivelton: E aí, eles foram lá?
JESUS: Eu percebi um pequeno tumulto e gritos: Deixem-nos passar, gritavam meus irmãos- Nós somos sua família. Nós temos prioridade. Nós temos que falar com ele. A multidão, muito impressionada, abriu passagem. Eu me plantei bem na porta para detê-los. Eu sabia que eles iam se encolerizar comigo, mas eu devia agir assim. Falei: Quem é minha verdadeira família? Minha família não é de sangue, ela é de espírito. Quem são meus irmãos? Quem são minhas irmãs? Qualquer um que obedeça a vontade de Deus, meu Pai. Eu os vejo cheios de ódio, eu não os reconheço. Eu me virei para meus discípulos, no interior, e gritei-lhes com firmeza: Se alguém vem comigo, e se não larga seu pai e sua mãe, seus irmãos, sua mulher e seus filhos, não pode ser meu discípulo. Fiz entrar os primeiros desconhecidos ao alcance da minha mão e bati a porta no nariz de meus irmãos e de minha mãe.
Advogado Erivelton: Puxa! você não ficou com pena deles depois dessa cena?
JESUS: Eu não fiquei com pena. Eu queria me fazer compreender. Eu devia mostrar que eu mesmo punha o amor em geral acima do amor em particular. Meus irmãos partiram furiosos. Minha mãe ficou abatida esperando humildemente na porta. À noite, eu a fiz entrar e misturamos nossas lágrimas. Ela não me deixou mais até esta noite em que estou aqui conversando com você. Se você olhar, a minha maravilhosa mãezinha está aqui por perto junto com um batalhão de mulheres, com Myriam de magdala. Depois da minha desavença com meus irmãos, ela vela por mim. É sempre assim, as mães sempre vão amar com mais afinco os filhos rebeldes, os criminosos, os desviados, os doentes, pois são estes os que mais precisam de amor.
Advogado Erivelton: Sei disso. Eu que o diga, também. Mas então você conseguiu convencer a sua mãe, apesar dos protestos dos irmãos?
JESUS: Pois é Advogado. Você sabe qual foi a maior alegria que eu tive na minha vida?
Advogado Erivelton: Sinceramente, não sei. Qual foi?
JESUS: O meu maior e mais belo orgulho nesta terra é, sem dúvida, ter um dia convencido minha mãe
Advogado Erivelton: E a sua relação com Judas, o seu tesoureiro, como ficou?
JESUS: Depois da minha aposta secreta tudo melhorou. Eu confiava muito nele. relíamos os textos dos profetas. Desde a minha aposta eu passei a dar a ele uma atenção diferente do passado. Ele dizia: Tu deves voltar a Jerusalém, os textos são claros. Tu deverás ser humilhado, torturado, morto, antes de renascer. Haverá um momento difícil. Ele falava tranquilamente iluminado pela fé. Só ele havia entendido o que era o reino, um reino sem glória onde não haveria nenhum êxito material ou político. Ele me descrevia minha agonia com calma e esperança. Tu morrerás por uns dias, três dias depois tu ressuscitarás.
Advogado Erivelton: Você não sentiu medo? Você não está com medo agora? Como encarar a morte com tanta naturalidade?
JESUS: Quando ele me falava essas coisas eu não respondia. Eu ia me isolar para mergulhar de novo no poço do amor. Antes, eu nunca havia pensado seriamente sobre a morte e queria saber o que as minhas meditações me diriam a respeito. Descendo ao fundo de mim, em meu Pai, eu não encontrava nada de assustador. “Tudo é justificado”, me dizia Ele. Tudo está bem. Só o corpo é submetido à putrefação, aos vermes, ao desaparecimento. O essencial permanece. Isso me tranqüilizava. Cheguei à conclusão que a morte só podia ser, definitivamente, uma boa surpresa.
Advogado Erivelton: Então você partiu para Jerusalém!?
JESUS: Sim, Jerusalém tornou-se o nome de minha preocupação. O nome do meu destino. Então pegamos estrada. Em Jerusalém, só encontrei no início muralhas de indiferença. Dos poucos homens sábios, como Nicodemus, José de Arimateia, que pouco se interessaram por mim. Os fariseus e os membros do senedrim fecharam o bico exclamando: “Vocês não esperam mesmo que um profeta nos venha da Galileia!”. Isso não é possível. Eles não me engoliram. Eles não me suportam. Pensam que sou uma ameaça ao poder terreno. Me cospem, esbravejam...Espumam de ódio. Eu consegui existir, mas esta noite eles vão me matar.
Advogado Erivelton: Fale de Jerusalém. O nome de sua preocupação
JESUS: Jerusalém me fascina e ao mesmo tempo tenho dificuldade de amá-la. Ela mata profetas como matou João. Apedreja mulheres. Se recusa a ouvir as mensagens do meu Pai. Jerusalém que me fez sair do sério quando permitiu os cambistas de moedas negociarem na casa de meu Pai. “A casa de meu pai não pode se tornar uma casa de tráfico”. Não tive nenhum êxito em Jerusalém. Meu único êxito foi me fazer detestar pelos padres, doutores da lei, saduceus e fariseus. Eles se sentiam em perigo. Eles me forçavam a me tornar jurista, exegeta, teólogo, a me meter nas controvérsias do direito canônico em que forçosamente eu me mostrava inferior, pois eu só tinha como guia a minha luz. Quando eu explicava o que Deus me dizia diretamente eles gritavam: Blasfêmia! Blasfêmia! Eu já não dormia mais em Jerusalém. Preferíamos a aldeia de Betânia, na casa de nosso amigo Lázaro ou no monte das oliveiras. Nos últimos dias da minha vida eu fugi da ira dos fariseus, fugi da prisão que se aproximava, fugi da morte que me fungava com seu narigão frio. Escapei por pouco da fúria de Pôncio Pilatos, o prefeito de Roma na palestina.
Advogado Erivelton: Por falar em Pilatos, como foi o seu encontro com ele?
JESUS: Ele ouviu um espião dizer que eu pregava o fim do império romano e a chegada de uma nova ordem. Então me conduziram à sua presença. Lá ele me interpelou: Diz aqui para nós, Jesus: Deve-se respeitar o ocupante romano? É justo pagar-lhe os impostos?
Advogado Erivelton: O que você respondeu a Pilatos?
JESUS: Respondi que deve-se dar a César o que é de César, e dar a Deus o que á de Deus. Eu não sou um chefe de guerra e o meu reino não tem nada a ver com o reino de César.
Advogado Erivelton: E aí, ele aceitou a sua resposta?
JESUS: Essa resposta deixou Pilatos totalmente aliviado. Contudo, afastei de mim os zelotes, partidários de Barrabás, pois achavam que poderia me utilizar para sublevar a palestina contra o ocupante romano. Com isso eu fechei meu cerco de inimigos. Eu estava nu, com minha palavra desarmada. Fiquei mais uma vez num beco fechado. Não cedia. Não recuava. Temia temer. Judas me consolava: No terceiro dia tu retornarás.
Advogado Erivelton: Então a páscoa se aproximava e vocês seguiram para Jerusalém?!
JESUS: Sim, retomamos a estrada de Jerusalém. Evitei parar para cuidar dos doentes e enfermos. Queria diminuir a tagarelagem e os boatos sobre os milagres. Contudo, quando chegamos em Betânia, Marta e Myriam, irmãs de Lázaro, se atiraram sobre mim chorando. Lázaro morreu, Jesus. Ele morreu há três dias. Eu já tinha visto muitas pessoas morrerem ao longo de minha vida, estava habituado ao choque do luto, mas ali, sobre a fonte de Betânia, eu não sei porque, eu chorei com as duas mulheres. Senti que a morte de Lázaro anunciava a minha. Percebi que chegava o fim. Então depois de lamentarmos e chorarmos juntos, eu pedi para ver o corpo de Lázaro. Retiraram a pedra do túmulo e penetrei na cavidade aberta da rocha. Levantei o sudário e vi seu rosto esverdeado. Deitei-me ao lado do meu amigo e comecei a chorar enquanto descia no poço dentro de mim para encontrar o meu Pai e fazer-lhe mais um pedido. Lá, mais uma vez encontrei aquela luz ofuscante. Ouvi meu Pai dizer ao seu modo: “está tudo bem, não te inquietes”. Quando saí do poço Lázaro estava sentado do meu lado me olhando surpreso. Falei para ele: Lázaro, meu amigo, tu estás vivo. Tu ressuscitaste? Peguei pelas suas mãos e saímos juntos do túmulo para a surpresa e alegria de todos.
Advogado Erivelton: A volta de Lázaro ao mundo dos vivos alegrou você? Fazer mais aquele milagre lhe trouxe paz?
JESUS: Eu tentava me fixar na alegria de Marta e Myriam. Mas me via numa perplexidade. Meu Pai havia executado mais um milagre para me tranqüilizar e me demonstrar que eu retornaria da morte como muitos que eu vi retornar. Cheguei a pensar que ele havia sacrificado o repouso de Lázaro somente para me agradar. Finalmente uma voz saiu de dentro de mim e disse: O amor, o grande amor às vezes não tem nada a ver com a justiça; o amor algumas vezes deve mostrar-se cruel, e que ele, meu Pai, também choraria quando me visse na cruz.
Advogado Erivelton: Pois é, agora você está aqui no monte das oliveiras. Os soldados podem chegar a qualquer momento...você não quer fugir...então como vai ser? Você vai se entregar espontaneamente? Vai reagir à prisão?
JESUS: Olha, sinceramente, vou dizer uma coisa a você: Durante as últimas horas dessa viagem para cá, sonhei mesmo em proteger os meus amigos. Acho que deveriam deter só a mim, por blasfêmia e impiedade; a minha culpa não deve ser dividida por meus amigos; eu devo sofrer sozinho.
Advogado Erivelton: Como você vai evitar um castigo coletivo?
JESUS: Eu tinha duas soluções: Me entregar ou me fazer denunciar. Eu não podia me entregar. Isso era a mesma coisa de reconhecer a autoridade do sanedrim e Caifás. Isso era me submeter. Isso era negar todo o meu caminho.
Advogado Erivelton: O que você fez, então?
JESUS: Reuni os doze discípulos mais antigos. Minhas mãos e meus lábios tremiam, pois só eu sabia que nós estávamos reunidos pela última vez. Como todo judeu, bom anfitrião, eu peguei o pão, o abençoei com minhas preces e o ofereci a meus convivas. Depois todo emocionado abençoei e distribuí o vinho. Falei para eles: Pensem sempre em mim, em nós, em nossa história. Pensem em mim sempre que dividirem. Mesmo quando eu não estiver mais aqui, minha carne será seu pão, meu sangue sua bebida. Quando se ama se é um só. Eles estremeceram. O amor jorrava em jatos do meu coração. Então eu disse mais a eles: Meus meninos, eu só estou com vocês por pouco tempo. Em breve o mundo não me verá mais. Mas vocês me verão sempre, pois eu viverei em vocês. Amem uns aos outros como eu vos amei. Não há amor maior do que dar a vida por seus amigos. Alguns começaram a chorar. Vocês chorarão no início, mas sua aflição se transformará em alegria. A mulher quando pare passa pelo sofrimento, mas ela não se lembra mais de suas dores depois que um novo ser nasce finalmente nesse mundo.
Advogado Erivelton: E como ficou o plano de se entregar?
JESUS: Depois, isso foi o mais difícil. Eu tive que revelar o meu plano: Em verdade eu vos digo, um de vocês em breve vai me trair. Eles começaram a reclamar e protestar. Somente Judas ficou calado. Somente ele havia compreendido. Ele ficou pálido. Seus olhos negros me fixaram. Perguntou: Sou eu, Jesus? Ele havia percebido a dimensão do sacrifício que eu lhe pedia. Ele devia me vender. Sustentei seu olhar para fazê-lo compreender que eu só podia pedir a ele, o discípulo preferido, esse sacrifício que precederia o meu. Judas me entendeu e Fez uma careta de aceitação.
Advogado Erivelton: Então você não foi surpreendido pelos soldados de César? Então Judas traiu por amor e por obediência?
JESUS: Ele sofreu tanto quanto eu. Levantou-se da mesa, dirigiu-se a mim e sussurrou no meu ouvido: No terceiro dia tu retornarás. Mas eu também não estarei mais aqui. Não te abraçarei mais.
Advogado Erivelton: O que ele quis dizer com isso?
JESUS: Perguntei: Judas o que vais fazer? Ele me respondeu: Vou te vender ao Senedrim. Fazer os guardas irem ao monte das oliveiras. Aponto-te a eles. Em seguida me enforcarei
Advogado Erivelton: E aí, você tentou impedi-lo?
JESUS: Tentei dissuadi-lo. Mas sabe, advogado, o que foi que ele me disse?
Advogado Erivelton: Não, não sei!
JESUSDisse-me ele: Se tu vais te crucificar! Eu bem posso me enforcar! Dizendo essas palavras ele saiu empurrando todo mundo. Os outros discípulos, ingênuos, nada captaram.
Advogado Erivelton: Finalmente, vou faze a você a minha última pergunta, pois já é tarde, Judas já saiu, os seus discípulos dormem, eu também estou com medo, não posso mais ficar aqui. Contudo, por favor, me fale só mais um pouco sobre sua mãe. Ela ainda está Por aqui?
JESUS: Está sim, sentadinha ali num canto escuro. Já adivinhou tudo. Já conversamos. Agora vou sentar-me um pouco junto dela. Ela vai me tranqüilizar. Já sorrimos juntos hoje. Já pedi perdão para ela. Já abracei ela. Já cantou hoje para mim as mesmas canções de ninar da minha infância. Dentro de algumas horas terei encerrado a minha aposta. Dentro de algumas horas se saberá se eu sou mesmo a testemunha de Deus, meu Pai, ou se eu era apenas mais um louco. A grande prova só acontecerá após a minha morte. Se eu estou enganado, nem mesmo eu me darei conta. Se eu tiver razão, tentarei não triunfar e trarei aos outros a boa nova. Pois tendo ou não razão, nunca vivi por mim mesmo. Tampouco morrerei por mim mesmo. Se eu perder, não perco nada. Se eu ganhar, eu ganho tudo. E faço todos nós ganharmos. Peço a meu Deus que faça com que até o último momento eu esteja à altura de meu destino. Que a dor nunca me faça duvidar.
Advogado Erivelton: Eu sou, humildemente, uma das provas vivas de que você ganhou e que todos nós ganhamos. Obrigado pela maravilhosa entrevista.

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